sexta-feira, julho 27, 2018

Trote Desenfreado de Atenção Hípica


Apesar de meu diagnóstico só ter vindo aos vinte e cinco anos, quando eu já até era formado em Medicina Veterinária,  con(sobre)vivi com o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade a vida toda. Sofrimento que foi compartilhado com minha mãe, que sempre me acompanhou desde cedo a todo tipo de investigação médica. Foram não sei quantas visitas a neurologistas, oftalmologistas, otorrinolaringologistas, psicólogos, fonoaudiólogos... Mas contra toda expectativa, os resultados estavam sempre dentro do padrão. Tudo estava sempre normal. E “normal” se tornou um termo ilógico e inexplicável para mim. Pois se meu corpo era “normal”, eu só podia ser naturalmente desajustado, desatento, irresponsável, burro mesmo... E mesmo me percebendo absolutamente diferente, eu nunca soube me explicar para os outros. E confesso que depois de um tempo até desenvolvi uma grande preguiça de tentar. O tempo passou e meus sobrinhos vieram. E advinha só. Não foi só meu charme irreverente e o lindo castanho dos meus olhos que eles herdaram. Os vejo sofrer como sofri. E após toda minha experiência, acho no mínimo justos tentar dar uma explicação para que, ao menos, se tenha mais paciência para com o comportamento deles.
Apesar de odiar o termo, vou tentar explicar o que seria o cérebro de uma pessoa “normal”. Você é assim? Então podemos maldizer que seu cérebro é um carro. Máquina projetada pelos melhores engenheiros que podem existir. Potente. Confiável. Se bem abastecido e cuidado, ele está sempre ali esperando você ligar, decidir o destino, o caminho, a velocidade. Se você é cuidadoso, teve o treino adequado, está ligado nas condições do clima e da estrada, então certamente ele vai te obedecer. Quer mudar o caminho? Fácil. Quer mudar a velocidade? Tranquilo. Freio, acelerador, velocímetro, seta, cambio... Tudo ao alcance da mão.  Claro que sempre há imprevistos. As vezes o motor esquenta. Deve-se fazer manutenção. Mas em geral, no fim do dia você chega em casa, entra na garagem, desliga o motor e tanto a máquina quanto você podem descansar.
E o cérebro de um TDAH? Uma ótima comparação seria dizer que se trata de um cavalo de corrida. Um Puro Sangue Inglês. Máquina excepcional. Projetada por ninguém menos que “o melhor” engenheiro que já existiu. Um cavalo é extremamente forte. Leal. Mas sobretudo, temperamental. Um cavalo tem vida própria. Interesses próprios. Se você tem braço firme ele até vai seguir o caminho que você traçou. Mas você nunca vai poder controlar seu olhos, suas orelhas, o tato em sua pele. Enquanto te leva ao seu destino, um cavalo tudo ouve, tudo sente, tudo vê. E no fim do dia quando você desapiar para descansar, um cavalo não vai dormir. Ele vai bordejar. Vai pastar. Vai atrás daquela linda potranca, da qual você nem tinha se dado conta. Então, se você tem aí do lado uma criação TDAH, tenha um pouco de paciência. Por mais inerte que ela possa estar, seu cérebro certamente estará em desenfreado galope. 

Foto: Janaína Maia

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