domingo, junho 21, 2009

Surfando Karmas e DNA

A família de meu pai sempre teve um comportamento um tanto abrutalhado. Talvez por ter origem integralmente rural. Entre as brincadeiras preferidas de meus tios, oitenta por cento são reprovadas pelos psicólogos. Os outros vinte, pelos ortopedistas. Um tio em particular, que infelizmente já faleceu, era especialmente sádico. Mesmo depois de casado dificilmente era visto sem seu estilingue. De todas as brincadeiras cruéis a que me submetia a que eu mais detestava era aquela em que ele, sem qualquer aviso, gritava a todos pulmões que eu estava pisando em uma cobra. Meu coração chegava a gelar. Mas os costumes de nosso clã exigiam que eu me portasse como um homem. Afinal, eu já tinha quase sei anos de idade. Então decidi que passaria a ignorá-lo. Resistiria ferozmente e não mais cairia em seus engodos. Certo dia eu acompanhava o fanfarrão e meu pai numa caminhada pela fazenda quando a calmaria do campo foi irrompida pelos berros de tio João que mais uma vez alegava que eu estava pisando numa cobra. Mas agora as coisas seriam diferentes. Eu já era um homem. Não me deixaria tapear facilmente. Segui em frente decidido a vencê-lo em seu mundo de torturas psicológicas. A cada novo grito que ele dava eu me sentia mais forte. Confiante. Mas de repente toda minha convicção desmoronou. Meu pai também me alertou. E apesar de compartilhar os mesmos genes sádico com meu tio, essa era uma brincadeira que meu pai jamais faria. Quando tive coragem de olhar para baixo a cobra já estava toda embaraçada em minhas pernas. Em poucas ocasiões fui tão ágil e senhor de meu esfíncter anal. Nem sei como não me caguei todo. Quando finalmente me desvencilhei da cobra e recobrei o fôlego para pronunciar alguma coisa, desatei a xingá-lo com todos os palavrões que conhecia. E já naquela época a secção de expressões impróprias para menores de meu vocabulário era praticamente completa. Nunca mais ele faz esse tipo de brincadeira comigo. Talvez por ter falecido antes de uma próxima oportunidade. Sei que não foi pelos palavrões. Ele adorava me fazer xingar. Prefiro acreditar que algo o tocou naquele dia. Nunca faço esse tipo de brincadeira com meus sobrinhos. Animais peçonhentos são perigosos. E como já ficou comprovado, um acidente pode acontecer. Prefiro utilizar bichos, digamos, mais inofensivos. A genética é irrevogável. 

Foto: Nunes de Freitas

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