Ando com medo de parecer previsível. Pois quase a totalidade
de meus textos tem alguma relação com a fazenda. Por outro lado, é incrível
como uma vida na roça é campo fértil para a literatura (literatura!?). Ainda
mais quando vivida na companhia de meu pai. São tantos episódios dignos de nota,
que não tenho como ignorá-los. O problema é que minha criatividade vai se
esvaindo. Cada vez mais me resigno em descrever apenas o fiel desenrolar dos
fatos. Que afinal, me parecem ser suficientemente surpreendentes e até difíceis
de acreditar. Como no episódio em que eu, meu pai e meu irmão, íamos à fazenda
levando material de construção para reformar a velha casa. A quantidade de
material necessária para o serviço pedia umas duas viagens num grande caminhão
trucado, mas meu pai, aliado à sua calculadora hp, constatou que com um pouco
de aperto nosso pequeno e velho Mercedes 608 daria conta do recado, em apenas
uma viagem. Logo na saída do depósito a traseira do diminuto
possante já havia tocado o chão um par de vezes. E os rangidos da frágil
estrutura não me deixavam acreditar que ele permaneceria inteiro por muito mais
tempo. Até porque o caminhãozinho já nem era tão inteiro. Mas desafiando
qualquer lei da física, da lógica, da mecânica e/ou da coragem o bendito
caminhão se arrastando bem mais do que rodando já chagava bem próximo a fazenda
quando um último desafio se ergueu a nossa frente. Uma grande serra. Subida
íngreme de quase meio quilômetro de extensão. Era óbvio que não conseguiríamos.
Mas o caminho era esse e prosseguimos. Que o caminhão pararia antes da metade
da ladeira era fato e nunca me iludi. E quando parou eu continuava sereno como
nunca. Eu não contava era que os freios não aguentariam. Começamos a descer a
serra de ré. Só que agora os únicos no comando eram a gravidade e a vontade do
próprio caminhão. Quando tudo parecia perdido e eu já até me reconfortava com a
ideia da morte, meu pai conseguiu dar um golpe desesperado no volante fazendo
com que o caminhão batesse no barranco e parasse. Claro que não antes de
empinar como um mustang selvagem e andar quase uns dez metros com as rodas
dianteiras no ar. Quando recuperei a força das pernas e finalmente tive
equilíbrio para descer do caminhão meu pai fez sua grande observação: “Não
devíamos os três correr aquele risco juntos.” Não é incrível que a seu ver o
único problema em toda aquela situação era estarmos os três machos da família
juntos, correndo o risco de deixar a ala feminina desamparada por nossas
mortes? Não me recordo de qualquer observação a respeito do mega excesso de
carga, do péssimo estado dos freios ou dos quase trinta anos de idade do
caminhão. Se eu ainda for acrescentar algum detalhe lúdico a uma história
dessas ninguém mais acredita.
Amigo, já estamos nos finalmente de agosto e ainda não tem nenhum novo caso engraçado, para nós é claro...
ResponderExcluirUm grande abraço...
Valeu a pena esperar!!!
ResponderExcluirQuerido irmão, considerando que durante toda nossa infância e adolescência fiz suas tarefas de casa e li seus livros para depois relatar-lhe, e possibilitar que fizesse suas provas, seu talento literário é inusitado. Cada uma dessas histórias, por mim já conhecidas, criam vida própria em suas linhas. Leio e aquilo que à época me (ou nos) fora trágico se torna ilário.
ResponderExcluirGrande percepção, sensibilidade ainda maior!
Parabéns! E que sua inspiração nunca acabe...quantas risadas ela me proporciona!
Beijo grande!
Érica